sábado, 30 de outubro de 2010

A Montanha

A mulher caminhava lentamente, seguia pela estrada de terra, não sabia exatamente para onde, a única coisa que a impelia a seguir era exatamente isso: não saber. Estava há um tempo sufocando em sua vida chamada normal, estava adoecendo mas poucos entendiam, a maioria das pessoas achava que era uma frescura e que aquilo logo passaria. Ela fingiu aceitar os fatos, e fingiu estar bem, ser feliz, mas seu coração, sua alma, clamavam por algo diferente do que estava vivendo, seu íntimo dizia que aquilo não era viver, e sim apenas sobreviver, ela sabia que possuía apenas uma sobrevida que não vinha a ser nem a sombra do que gostaria. Um dia tomou coragem, resolveu caminhar para outro lado. E nesse ponto a encontramos, no meio da estrada, no fim do Inverno.

Continuou a caminhar por algumas horas, até que seu coração a pediu para parar, buscou ao redor, e próximo de onde parou, encontrou uma trilha que parecia levar para a montanha próxima, não era uma certeza,  apenas um risco, poderia simplesmente não levar a lugar nenhum, mas, para quem não sabia o que buscava, lugar nenhum pode ser muita coisa. Seguiu a trilha, já começavam os primeiros sinais da noite, mas ela seguia adiante, sua única bagagem, uma mochila, carregava apenas comida, água, e uma manta fina, tudo para não pesar ou atrapalhar, a viagem estava programada para ser longa, portanto, deveria seguir o roteiro de parar nas cidades de tempos em tempos para adquirir mantimentos. Não se importou com isso, seu coração pulava perante o desconhecido, estava exultando por sair do caminho que todos percorrem, a trilha parecia não ter fim, voltar naquele momento seria desistir, e isso já havia marcado sua vida e mesmo que fosse o melhor a fazer, ignorou completamente, não podia deixar para traz, levaria essa experiência para o resto de seus dias e carregaria consigo a dúvida do que teria sido. Mesmo que a trilha a levasse mais rapidamente para o resto de seus dias, estava decidida a seguir em frente.

A noite caiu rapidamente, sua única iluminação era uma lanterna e as estrelas, a lua minguava no céu, despedindo-se para seu recolhimento. O som da mata, transformava sua caminhada em algo sombrio, e suas pernas pediam descanso, havia iniciado a subida já fazia meia hora, e a mesma mostrava-se cada vez mais íngreme. Seu redor não era convidativo para um descanso, uma maçã rolaria simplesmente se apoiada no chão. Sua esperança naquele momento, era encontrar ao menos um lugar em que pudesse sentar-se sem correr o risco de cair no sono e sair rolando. Às vezes, a dificuldade do caminho tem mais valor que o final, lembrou-se de Ítaca e um famoso poema. Isso deu forças para continuar seu caminho. Lembranças passavam em sua mente como um trailler, iam e vinham, boas ou ruins, felizes ou tristes, sem ordem alguma, apenas vinham e partiam. Lembrou-se do dia do nascimento de seu filho, desde o momento da primeira contração até ouvir seu choro, os ruídos da noite intensificavam as lembranças, era algo como se a pudessem ver e compartilhavam seus sentimentos. A subida foi se tornando mais amena, conseguiu enxergar mais, parecia que a trilha crescia, parecia virar uma estrada, até que findou em uma clareira no alto da montanha, não era grande, mas parecia o quintal de uma caverna que ali aparecia, apenas via sua entrada, tudo estava escuro. Teve medo, algo poderia estar ali, algo poderia não ser amigável, algo poderia finalizar sua jornada antes do planejado, poderia não ver mais o rosto de seu filho, de seu amado. Nesse momento sentiu saudades da vida que tinha. O ruído de uma coruja ao longe a fez voltar a si, e recordou os motivos porque ali estava, e assim, decidiu seguir, mesmo que fosse seu último passo. A caverna não parecia habitada, afinal, quem ou o que caminharia até ali, se bem que o lugar convidava. Não seria necessário descer e subir todos os dias, talvez o alimento ali subisse vez ou outra.

A noite começava a dar indícios de inverno, prometia ser fria, como todas suas lembranças, que pareciam acompanhá-la por todos os lados que olhava, a caverna parecia chamá-la, como se fosse um local familiar, onde um dia esqueceu os chinelos e naquela noite resolvera buscar, sem aviso algum, pois estava simplesmente retornando ao lar de férias.

Um comentário:

Anônimo disse...

Viagem arrepiante por dentro de uma alma sonhadora... a busca do eu interior...
Parabéns!!!

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