segunda-feira, 27 de junho de 2011

Confiar é preciso



A garota estava só e encaminhou-se para a estação de trem mais próxima. Devido a sua condição de gestante teve algumas dificuldades para entrar no meio do tumulto que se formava para entrar no vagão. Esperou um pouco, até que foi conduzida e para sua surpresa, o vagão não estava tão cheio como imaginara. O tumulto inicial desfez-se como que por magia, e conseguia andar livremente pelo corredor, mas sem sentar-se, mesmo porque não estava procurando por um lugar. Gostava de observar as pessoas, cada qual em seu mundo, em seu único Universo em que eram donas de si, ou pelo menos, achavam isso.

Possuía um papel em suas mãos, o endereço ao qual precisava chegar, estava no caminho certo, mas começou a ter dúvidas quando olhou pela janela e viu montanhas. Sentiu medo, de repente não sabia mais onde estava, e olhava para o papel com o endereço de uma clínica. Bom, iria ao médico, mas já não se lembrava como finalizar seu trajeto, olhou ao redor, meio que num misto de desespero e vergonha, o trem parou, várias pessoas desceram e outras poucas subiram. O caminho parecia ficar deserto a cada estação. Era apenas ela e o bebê.

Estendeu o endereço para um grupo de pessoas, e todas balançaram a cabeça negativamente. Olhou ao redor, e viu uma velha a tricotar, mostrou-lhe o endereço, e ela lhe sinalizou que não sabia ler. Encontrou uma criança, estranhou que estivesse sozinha, olhou ao redor, e não encontrando mais ninguém, foi em sua direção, mesmo na dúvida se não teria o mesmo problema que com a velha. O pequeno tirou-a do devaneio quando puxou a barra de seu vestido levantando seu braço para pegar o papel. Seus olhos atentos devoraram o papel, sorriu, e respondeu-lhe com as janelinhas evidentes, que estava no caminho certo, mas que precisava descer na próxima estação, deveria sair pelo lado amarelo, e seguir em direção a banca de jornais.

Com uma cara de espanto, e um outro tanto de dúvida, a garota agradeceu, olhou ao redor, queria mais uma opinião, estava com dificuldades de acreditar na informação do garotinho, mas era a única alternativa.

Desceu assim que o trem parou, pouquíssimas pessoas saíram, procurou por qualquer referência amarela, caso não encontrasse, já poderia embarcar no próximo trem. Foi atrás de pessoas que passavam agitadas, quase a empurrado, mas ninguém lhe concedia um segundo de atenção, quando encontrou uma enorme placa amarela, fazendo menção a um plano de saúde, não encontrou mais nada amarelo, ficou apreensiva, mas resolveu sair. Na rua, a multidão havia se multiplicado, teve receio de continuar e com dificuldades encontrou uma banca de jornais, um pouco longe. Seguiu seu caminho, trombando em pessoas apressadas, cheias de pastas, com telefones, bips. Que lugar louco!

Perto da banca de jornais, conseguiu parar um casal e ao estender-lhes o endereço, ambos sorriram e lhes apontaram a placa da rua. Estava no lugar certo. O garotinho não a enganara. Seu bebê também pareceu vibrar, e entre um empurrão e outro, começou a sorrir, devaneando uma situação que poderia ser provável.

E por que não ?

terça-feira, 21 de junho de 2011

Um brinde a vida, um brinde a Yule

Caminhava sozinha, era noite, uma brisa suave beijava-me a face indicando o caminho correto. Longe da trilha já havia um tempo, não tinha dúvidas de que aquele era o caminho. Ouvia um riacho ao longe, e alguns pássaros noturnos em suas canções solitárias, brindando uma nova expectativa, brindando simplesmente ao fato de ainda existirem.

Cheguei ao riacho mudando meu percurso em direção a ponte. Apressei-me e assim o avistei sentado na rocha mais próxima ao carvalho, conforme combinado. Estava entretido em meditação, e silenciosamente me aproximei. Havia anos nos encontrávamos apenas nos solstícios, sempre no mesmo local, no mesmo horário. Sentei-me a sua frente, e seus olhos abriram-se, num profundo torpor. O transe meditativo ao qual se submetera servia para reduzir sua ansiedade. Sorriu. Nos abraçamos e um beijo aqueceu a noite fria. Entre sussurros de saudades, pude ouvir com clareza:

- Sabia que iria se atrasar.

Estávamos novamente juntos, na noite mais longa do ano. Não parecia de modo algum a mais longa, e no fundo, sempre temia que fosse a última. Cada segundo era valioso, e assim procurávamos aproveitar cada momento. Trocamos nossos amuletos, como sempre fazíamos, recebi o cordão com a maçã dourada, e entreguei a pulseira com o martelo âmbar. Esforçávamos para não gastar o tempo com lágrimas traiçoeiras, estas ficavam para depois, quando o tempo já havia caçoado de nosso ser, de nossas almas. Lembrávamos e falávamos apenas de coisas alegres, e o quanto sentíamos saudades um do outro. Em como era difícil suportar tanto tempo afastados. E como perdíamos muito tempo falando sobre o que havíamos passado, resolvemos deixar por escrito, e assim, também trocávamos nossos diários.

E assim passávamos nosso tempo, antes de voltarmos, cada qual para seu mundo. Cada sensação, palavra ou gesto, eram guardados em nossas lembranças. A vontade de ficar ali para sempre era grande, mas seria vital. Nossa frágil casca não suportava um ambiente diferente do natalício. Não mais compartilharíamos um mundo. Não tão cedo. Ao menos havíamos encontrado um jeito. Trilhamos caminhos diferentes, mas que sempre conduziam ao mesmo lugar, ao mesmo poço, a mesma vila. E logo o sol nascia, nos concedendo sua luz, para que enxergássemos com outros olhos, e pudéssemo notar o quanto já havíamos mudado, amadurecido. Entretanto, o brilho nos olhos continuava o mesmo. Assistíamos o pôr-do-sol que mais uma vez era o mais belo de todos. E mais uma vez, aproximava-se o momento de partir. A angustia voltava, lágrimas teimavam em vir, e prometíamos guardar o amuleto em segurança. Sem ele, não poderíamos voltar no próximo solstício. Os amuletos eram a chave para esse caminho, um presente de Freyja.

Assim, nos despedíamos, sem saber se haveria outra vez. Se ainda trocaríamos nossos amuletos. Corpos e almas não queriam se separar novamente, e assim com lágrimas, cumpríamos o tratado. Ele partia primeiro, sem olhar para trás. Quando não o avistasse mais, e assim que as lágrimas permitissem, iniciava meu retorno, tentando encontrá-lo no caminho. Em vão. Como sempre, uma leve garoa me encontrava na volta, e sentia seu beijo em minha face: até breve.

Feliz Yule!

quinta-feira, 9 de junho de 2011

O banquete

Estáva num campo de areia, o clima estava quente, e andava por várias mesas postas. Eram grandes e estavam preparadas para receberem em grande quantidade, só tinha um detalhe, não tinha comida alguma. Uma amiga veio ao meu encontro, estava tranquila, disse que estava(m) me esperando e que precisávamos nos apressar para preparar o banquete. (mas hein??)

Entendendo ou não, a segui para um lugar amplo, branco, fechado apenas no teto, sem paredes, e lá encontramos mais pessoas, cada qual concentrada em sua tarefa. Um homem de bigodes veio falar o que deveríamos fazer: peixe! E precisava ser rápido, pois o tempo estava acabando. E assim fomos, eu e minha amiga, para um balcão a fim de começarmos a preparar o prato. Tudo isso na maior tranquilidade, como se tivéssemos todo o tempo do mundo.

Decidimos qual peixe fazer, como, onde, o que usar, chegando a ser cômico a seriedade da coisa. Em meio a escamas e temperos, acordei.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A jornada do ar - parte 3

Caminhei por 3 dias e 3 noites, parava apenas para alimentação, concedendo descansos com intervalo de 3 horas. A pressa fez com que sentisse o vento mais cruel e rude. Precisava sair do vale antes da lua encher no céu. A lua crescente me acompanhava clareando as noites que passei caminhando por entre valas e pedras. O presente da velha podia ser aberto apenas no ápice da lua, mas não podia ser aberto no vale.

Desejava com profundo ardor que valesse a pena.

Acompanhava um riacho, mas por vezes ele sumia, preocupava-me quando não encontrava uma trilha ao seu lado. Não podia afastar-me muito, pois segundo a velha "a Água lhe ensinará o caminho...", sendo assim perdê-lo de vista era inviável. Em 3 dias o Riacho me ensinou que preciso ser maleável e aprender a contornar barreiras em meu caminho. O Vento me dizia para derrubar tudo e passar pelos vãos. Minha tarefa, naquele momento, era unir seus ensinamentos.

Água e Ar o que querem me ensinar?

Por vezes a trilha mostrava-se íngreme e perigosa, às vezes estreita e úmida, oras sombria e solitária. O Vento falava animadamente todo o tempo, mas o Riacho apenas seguia seu curso, em silêncio, apenas gritando em momentos de perigo ou atenção. Comecei a me acostumar com seu jeito.

O terceiro dia foi o mais difícil, estava angustiada não tinha certeza se chegaria, o caminho pedia voltas que não só atrasavam minha chegada, como judiavam de meus músculos já cansados. Adiava os bons momentos de descanso, pois sabia que a vontade de parar "no lugar ideal" manteria-me caminhando. Isso também garantia que não parasse mais tempo que o devido.

Grande foi minha alegria, quando vi os limites do vale, ele chegava num rio, como uma linha que divide duas áreas, precisava cruzá-lo até o anoitecer. A vontade era correr, mas o caminho não permitia, queria jogar-me com o Vento, mas o Riacho pedia prudência. O caminho estava úmido e escorregadio, naquele momento, precisava apenas de paciência.

O Sol se pôs, e o entardecer dava um colorido confuso a minha volta, as margens do Rio estavam recheadas de pedras. Não encontrei ponte. A água descia da montanha, estava gelada. Consegui algo para me apoiar, uma haste, e seguindo o curso do Riacho, consegui atravessar o rio no trecho que parecia mais raso. Do outro lado, o vento me castigava, mostrando-me o quanto poderia ser cruel. Sentia cada parte de meu corpo congelando. De volta a Terra, sorri. A Lua acenava, aproximando-se de sua fase mais cheia. Estava exausta.

Havia conseguido.
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