terça-feira, 21 de junho de 2011

Um brinde a vida, um brinde a Yule

Caminhava sozinha, era noite, uma brisa suave beijava-me a face indicando o caminho correto. Longe da trilha já havia um tempo, não tinha dúvidas de que aquele era o caminho. Ouvia um riacho ao longe, e alguns pássaros noturnos em suas canções solitárias, brindando uma nova expectativa, brindando simplesmente ao fato de ainda existirem.

Cheguei ao riacho mudando meu percurso em direção a ponte. Apressei-me e assim o avistei sentado na rocha mais próxima ao carvalho, conforme combinado. Estava entretido em meditação, e silenciosamente me aproximei. Havia anos nos encontrávamos apenas nos solstícios, sempre no mesmo local, no mesmo horário. Sentei-me a sua frente, e seus olhos abriram-se, num profundo torpor. O transe meditativo ao qual se submetera servia para reduzir sua ansiedade. Sorriu. Nos abraçamos e um beijo aqueceu a noite fria. Entre sussurros de saudades, pude ouvir com clareza:

- Sabia que iria se atrasar.

Estávamos novamente juntos, na noite mais longa do ano. Não parecia de modo algum a mais longa, e no fundo, sempre temia que fosse a última. Cada segundo era valioso, e assim procurávamos aproveitar cada momento. Trocamos nossos amuletos, como sempre fazíamos, recebi o cordão com a maçã dourada, e entreguei a pulseira com o martelo âmbar. Esforçávamos para não gastar o tempo com lágrimas traiçoeiras, estas ficavam para depois, quando o tempo já havia caçoado de nosso ser, de nossas almas. Lembrávamos e falávamos apenas de coisas alegres, e o quanto sentíamos saudades um do outro. Em como era difícil suportar tanto tempo afastados. E como perdíamos muito tempo falando sobre o que havíamos passado, resolvemos deixar por escrito, e assim, também trocávamos nossos diários.

E assim passávamos nosso tempo, antes de voltarmos, cada qual para seu mundo. Cada sensação, palavra ou gesto, eram guardados em nossas lembranças. A vontade de ficar ali para sempre era grande, mas seria vital. Nossa frágil casca não suportava um ambiente diferente do natalício. Não mais compartilharíamos um mundo. Não tão cedo. Ao menos havíamos encontrado um jeito. Trilhamos caminhos diferentes, mas que sempre conduziam ao mesmo lugar, ao mesmo poço, a mesma vila. E logo o sol nascia, nos concedendo sua luz, para que enxergássemos com outros olhos, e pudéssemo notar o quanto já havíamos mudado, amadurecido. Entretanto, o brilho nos olhos continuava o mesmo. Assistíamos o pôr-do-sol que mais uma vez era o mais belo de todos. E mais uma vez, aproximava-se o momento de partir. A angustia voltava, lágrimas teimavam em vir, e prometíamos guardar o amuleto em segurança. Sem ele, não poderíamos voltar no próximo solstício. Os amuletos eram a chave para esse caminho, um presente de Freyja.

Assim, nos despedíamos, sem saber se haveria outra vez. Se ainda trocaríamos nossos amuletos. Corpos e almas não queriam se separar novamente, e assim com lágrimas, cumpríamos o tratado. Ele partia primeiro, sem olhar para trás. Quando não o avistasse mais, e assim que as lágrimas permitissem, iniciava meu retorno, tentando encontrá-lo no caminho. Em vão. Como sempre, uma leve garoa me encontrava na volta, e sentia seu beijo em minha face: até breve.

Feliz Yule!

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